quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Velório

Estamos em um velório. O morto, Barbosa, jaz tranquilo em seu leito derradeiro, o caixão, convenientemente ornado com flores. Em torno, vê-se várias coroas com homenagens dos que com ele conviveram, e o respeitaram: colegas do escritório, diretoria do clube, associações beneficientes que ele era benemérito regular. Um bom homem, as pessoas o admiravam. Por isso, o velório estava cheio. O ambiente era grave. Conversas dentro e fora. Murmurava-se. Entre as rodas onde a conversa girava em torno de seus atributos, às vezes, ouvia-se um rompante de risos que era rapidamente contido: defeitos de Barbosa que agora se tornavam memórias de afeto e alegria, para contrapor o pesado ambiente.
A viúva, sentada, ouvia palavras de apoio e condolências com resignação. Ao lado, a parentada: irmãos, sobrinhos, cunhados e cunhadas, primos e primas, filhos e filhas, netos e netas.
A neta mais nova, a "Nineca", apelido que o próprio avô tinha lhe cunhado, em grande parte por não se lembrar direito do estranho nome que seus pais lhe deram, quase não mais conseguia disfarçar o imenso tédio que lhe acometia: não tinha ambiente para ela, que justo saia da puberdade; nem se dava bem com os primos que lhe pareciam idiotas, nem se interessava pelos assuntos das rodas ao seu redor. Nem precisa falar do asco que mal disfarçava diante da conversa, que parecia hipócrita, do curia, que nunca perdia oportunidade para "tirar uma casquinha" dela, em particular, situação que Nineca aprendeu a evitar, como em público, "esse tarado", pensava ela, diante da ousadia do padre.
Quando algo insólito acontece.
No início, de tênue, ninguém notou. Mas o processo foi se acelerando até o fato consolidado. Um volume começou a se formar na altura da genitália do defunto. Avolumou, avolumou até que o tecido da roupa não suportou e rompeu-se: um enorme falo levantou-se, como que num retorno dos Elísios, só ele, o falo, se manifestou. De repente, a enorme piroca de Barbosa se descortina e, como na ação de uma perfomática, domina a cena do grave ambiente do salão do velório.
Não saberia dizer o nome desse fenômeno: erectacius nauseum? Não sei.
Nineca, com seus óculos pequenos e finos, deu sinais de começava a se divertir: finalmente algo diferente acontecia. Ficou impressionada com o tamanho do atributo do avô. Seus primos não apresentaram coisa equivalente. Mas eram crianças, ponderou ela, quando fizeram questão de mostrar. Mulheres aumentaram o tom, queriam que seus maridos ou namorados "tomassem alguma providência" para terminar  aquela situação tão constrangedora. Os homens não sabiam o que fazer: decepar? Quem aceitaria, mesmo depois de morto, ter seu pênis decepado? Ainda mais tendo "esse exemplo de virtude", no linguajar de um gaiato presente.
Foi quando a viúva deu o tom que  pos um ponto final à situação. De pé, em tom dramático, cabeça tombada em direção ao ombro direito, resignada, declarou:
- Ah Barbosa. Agora, no derradeiro adeus, expões em público a fonte de meus prazeres mais inconfessáveis! Quantas vezes visitastes minha vagina, que se incendiava com essa presença sem par! Quantas vezes o tive em minha boca (quando falou isso sua voz se embargou, como que quase sufocada). Quantas vezes meus buracos todos me visitastes, Barbosa!
Nineca não queria acreditar no que via e ouvia. Sua mãe, a filha mais velha, uma matrona, quase desmaiou. A cena era de catarse. Um dos presentes, numa das rodas que também silenciou diante do que ocorria refletiu:
- É o que eu diria: "vai fazer falta"!
Outro emendou:
- Pois eu diria: isso é que é grandeza!
A viúva completou:
- Vai Barbosa, leve essa tua virtude para aliviar as almas sofridas do além. Eu te perdoo, Barbosa. Com a morte ninguém pode. Estás perdoado!
Como que atendendo suas palavras, o enorme falo cedeu e, lentamente, voltou ao estado inerte, pendido para fora da braguilha. Uma presente, enfermeira de profissão, puxou o tecido rasgado e com destreza, cobriu o membro sem tocâ-lo.
Aos poucos, o ambiente voltou ao normal. O ocorrido passou a marcar as conversas das rodas: alguém viu coisa parecida? O fato ou o membro (rsrsrs)? Um dizia ter ouvido falar de um amigo que foi ao enterro de um avô de uma antiga amiga do colégio. Outro perguntava, já tinham visto tamanha dimensão? Os donos de pênis pouco avantajados responderam que não. Os que achavam que tinham dimensões comparáveis se calaram.
Nineca ficou na dúvida se registrava o que viu no seu diário.

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