quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Júlia, arqueóloga

O sol já tinha se posto havia algum tempo. O clima do deserto impôs um frio cortante, apesar do calor escaldante do dia. Júlia, sentada com os colegas em torno da fogueirinha, tomava algo como um quentão, feito de vodka. Faziam como outros finais de dia de trabalho estafante e, às vezes, aparentemente enfadonhos. Escavavam e escavavam. Raramente encontravam alguma coisa de interesse. Hoje eles contavam histórias de suas infâncias. Júlia contou:
- Tenho uma lembrança bastante clara, quando da vez que minha mãe descobriu essa minha "verve" de pesquisa. Tinha eu uns 10 anos. Ela me flagrou na área, ao lado do tanque, sentada no chão, sabe?, com os joelhos abertos "em leque", e concentrada no que tinha na mão. Minha mãe se aproximou e congelou. Eu segurava uma largatixa que eu tinha pego enquanto esta engolia uma barata. Puxava a boca da largatixa pois tinha curiosidade em saber se a barata permanecia íntegra dentro da "barriga" da largatixa, ou se era dissolvida imediatamente. Quando vi minha mãe mostrei a largatixa e perguntei, meio que genericamente, que gosto a largatixa tinha enquanto engolia a barata.  Foi quando percebi que a largatixa tinha morrido. Parei e comentei o fato, decepcionada. Vi minha mãe por uma mão na barriga e a outra na boca e sair correndo. Pareceu que ela foi vomitar.
Os colegas riram, as mulheres do grupo diziam que não devia ser para menos. Se vissem suas filhas fazerem o mesmo ficariam preocupadas.
- E daí? O que aconteceu depois?
- No jantar, com meu pai, minha mãe me olhava meio com cara de nojo, meio preocupada. Parecia que ela encarava um monstro ou coisa assim. Falou para meu pai que precisava conversar com ele depois do jantar. Dias depois ela me levou num médico que me pegou em algumas partes do corpo, fez alguns testes de movimento e pediu para eu desenhar.
- E então? O que você desenhou?
- Uma bandeira com um elefante, isto é, o que eu achei que era um elefante. Ele me perguntou o que era e eu disse que era um elefante. Depois, não se tocou mais no assunto. Nunca mais vi esse médico.
- E seus pais?
- Minha mãe nunca mais me olhou do mesmo jeito de antes. Acho que ela tinha medo de mim, não sei.